O singular processo sinodal que está ocorrendo na Alemanha tem demandado profundas mudanças na Igreja Católica, causando grande angústia entre as autoridades vaticanas.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 04-01-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Uma das grandes questões na mente de muitas autoridades no Vaticano agora é como o chamado “Sínodo Alemão” finalmente terminará.
Os católicos do outro lado do Reno lançaram o Caminho Sinodal (der Synodale Weg) em 2019, após um relatório devastador sobre as falhas da Igreja na gestão da crise de abuso sexual do clero.
O processo sinodal da Alemanha inclui a participação do clero e leigos. Ele trouxe à tona propostas para mudanças significativas no governo e na prática da Igreja, o que está causando considerável preocupação entre algumas autoridades em Roma.
Com outra assembleia plenária marcada para o próximo mês, o percurso sinodal está previsto para ser concluído na primavera de 2023.
Todo o processo do Caminho Sinodal alemão recebeu críticas do Vaticano, especialmente porque alguns dos grupos de trabalho do caminho sinodal estão exigindo coisas como o fim do celibato sacerdotal e a ordenação de mulheres.
Isso explica, em parte, por que as autoridades da Cúria Romana mostraram reticências em relação ao relatório emitido em outubro passado pela Comissão Independente da França sobre Abuso Sexual na Igreja (CIASE).
Eles temem que o relatório do CIASE possa abrir a porta na França para um processo sinodal mais radical como o que está em andamento na Alemanha.
Certos funcionários da Cúria criticaram os bispos alemães por perderem o controle do processo, dizendo que eles embarcaram em uma jornada arriscada sem nunca realmente consultar Roma.
“Poderíamos ter ajudado a estruturar as coisas, para torná-lo um processo viável”, lamentou um prelado do Vaticano.
“Mas eles não queriam ser desafiados”, disse ele.
Este funcionário em particular, que está bastante familiarizado com as discussões em andamento com a Igreja alemã, não faz segredo de ser “cético” em relação ao Caminho Sinodal.
O Vaticano falou publicamente em várias ocasiões sobre o processo alemão.
Mais notavelmente, o Papa Francisco escreveu uma Carta do Santo Padre aos Fiéis da Alemanha em junho de 2019.
Neste longo texto, ele encorajou os católicos alemães a continuar suas reflexões, mas os advertiu contra a “tentação” de buscar “reformas puramente estruturais”.
Ele também insistiu que “priorizem a evangelização”.
O cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, publicou outra carta três meses depois, com suas próprias advertências contra a abordagem alemã.
Então, uma terceira carta chegou em setembro de 2020. Assinada pelo cardeal jesuíta Luis Ladaria, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – CDF, rejeitando uma proposta dos bispos alemães de permitir, em certas circunstâncias, a hospitalidade eucarística entre católicos e protestantes.
Ladaria confidenciou que não reconhecia mais a Igreja alemã que conheceu quando era um jovem jesuíta enquanto estudava em Frankfurt.
“Eles exploraram a questão dos abusos para exigir uma redefinição do sacerdócio e do papel das mulheres”, disse um observador alemão de Roma.
“Eles estão no processo de definir um tipo diferente de Igreja”, disse essa pessoa, ecoando uma crítica frequentemente ouvida nos corredores do Vaticano.
Se o Caminho Sinodal alemão está sendo observado de perto, é também porque a Igreja Católica na Alemanha é a mais rica do mundo.
O imposto anual da Igreja – que, entre outras coisas, os fiéis devem pagar se quiserem receber os sacramentos – trouxe cerca de 6,8 bilhões de euros para a Igreja Católica em 2019.
É um número estonteante em comparação com o orçamento operacional do Vaticano, que em 2020 era de 260 milhões de euros.
Este apoio financeiro é essencial para muitas instituições de caridade católicas e organizações que apoiam os cristãos do Oriente e da América Latina.
Mas a desconfiança também decorre de uma divisão mais profunda entre Roma e Berlim.
“A cultura alemã e a cultura do Vaticano são muito diferentes”, disse uma autoridade do Vaticano que, na verdade, é uma das poucas pessoas em Roma que defende os bispos alemães.
Ele disse que o Caminho Sinodal alemão é “um espinho no costado do Vaticano”.
“Aqui, eles têm a impressão de que a Igreja alemã está fazendo uma revolução, sem valores e sem fé. Mas é exatamente o contrário: se somos todos filhos de Deus, isso tem consequências para as estruturas”, disse.
Ele ressaltou que esta não é a primeira vez que os católicos alemães embarcaram em tal movimento.
“Ninguém se lembra do Sínodo de Würzburg, realizado de 1971 a 1975”, disse a mesma fonte.
“Naquela época, os bispos enviaram documentos ao Vaticano, mas nunca obtiveram resposta. Ao se calar, Roma não fechou as portas. A reflexão é sempre possível”, sublinhou.
Outro oficial da Cúria Romana expressou em voz alta o que muitas pessoas estão pensando em particular.
“Em algum momento, os bispos alemães terão que escolher: ou eles seguem Roma ou não”, disse ele.
Sem dúvida, este será um importante tópico de discussão em 2023, quando os bispos alemães vierem a Roma para suas próximas visitas “ad limina”.